sábado, 26 de maio de 2018

O que é foro privilegiado. E quem tem direito a ele no Brasil

Autoridades que ocupam cargos públicos importantes recebem um tratamento diferenciado da Justiça quando são suspeitos de cometer atos ilícitos. Seus processos não são julgados pela primeira instância, por juízes estaduais ou federais – como ocorre com as demais pessoas –, mas por tribunais de instâncias superiores. Esse é um efeito do chamado foro privilegiado – ou, formalmente, foro especial por prerrogativa de função. O foro privilegiado foi criado para impedir que as funções exercidas por agentes públicos fossem prejudicadas por acusações motivadas por interesses políticos. A proteção é concedida ao cargo, não ao indivíduo. Ao deixar o cargo, perde-se o foro. Segundo o advogado Eugênio Pacelli, o foro tem como função fazer com que casos envolvendo políticos sejam julgados por tribunais menos suscetíveis a pressões externas. Atualmente o foro privilegiado é associado à impunidade de políticos corruptos. Isso porque o ritmo de julgamento dos tribunais superiores é mais lento do que o da Justiça de primeira instância. Com o passar do tempo, muitos crimes acabam prescrevendo (caducando) e os políticos com foro privilegiado não são presos.


Quando o foro foi criado

O foro privilegiado existe no Brasil desde a Constituição de 1824, quando o país ainda era um império. Na época, crimes cometidos por membros da família imperial, ministros e conselheiros de Estado e parlamentares eram julgados exclusivamente pelo Senado. A primeira Constituição da República, de 1891, estendeu esse direito especial para o presidente, ministros do Supremo e juízes federais. Em 1969, durante a ditadura militar (1964-1985), o governo adicionou uma emenda à Constituição de 1967 que aumentou o poder dos militares – era o período de maior repressão e autoritarismo do regime e o Congresso estava fechado. No texto havia um trecho que concedia a parlamentares foro privilegiado perante o Supremo Tribunal Federal, o que lhes garantiu alguma proteção contra perseguições políticas. A Constituição de 1988 ampliou ainda mais o foro, concedendo-o a governadores, prefeitos, desembargadores, membros do Ministério Público. A extensão atual do foro privilegiado é considerada exagerada por parte da comunidade jurídica. A advogada Vera Chemim declarou ao jornal Folha de S.Paulo, em 2017, que “a quantidade de foros no Brasil é uma aberração”. Chemim comparou o caso brasileiro com o do Reino Unido, onde apenas a rainha tem foro privilegiado.
Quem tem direito ao foro no Brasil
A definição do tribunal responsável por julgar pessoas com foro, suspeitas de terem cometido crimes, está relacionada ao cargo ocupado pela pessoa. Quanto mais importante o cargo, maior a instância do Judiciário que cuida do caso.
Supremo Tribunal Federal:
julga o presidente da República, vice-presidente, ministros do governo, deputados federais, senadores, ministros do Supremo e comandantes militares
Superior Tribunal de Justiça:
Cuida de processos contra governadores e desembargadores (juízes de segunda instância)
Tribunais Regionais Federais:
Responsáveis por analisar processos contra juízes federais e prefeitos (apenas em caso de desvio de recursos federais)
Tribunais de Justiça:
Julgam deputados estaduais, membros do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e prefeitos

A Constituição Federal não prevê foro para vereadores. Os estados podem, porém, conceder o direito a eles por meio das Constituições Estaduais – municípios não têm constituições próprias. É o caso, por exemplo, do estado do Rio de Janeiro, que garante aos vereadores de seus municípios o direito de serem julgados pelo Tribunal de Justiça (segunda instância). O Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado realizou um levantamento em 2017 e descobriu que no Brasil há quase 55 mil pessoas com foro privilegiado – 38,4 mil garantidas pela Constituição Federal, 15,5 mil por Constituições Estaduais. Entre as autoridades que possuem foro por garantia da Constituição de 1988, 79% estão no Judiciário e no Ministério Público.

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