Autoridades que ocupam cargos públicos importantes recebem um
tratamento diferenciado da Justiça quando são suspeitos de cometer atos
ilícitos. Seus processos não são julgados pela primeira instância, por juízes
estaduais ou federais – como ocorre com as demais pessoas –, mas por tribunais
de instâncias superiores. Esse é um efeito do chamado foro privilegiado – ou,
formalmente, foro especial por prerrogativa de função. O foro privilegiado foi
criado para impedir que as funções exercidas por agentes públicos fossem
prejudicadas por acusações motivadas por interesses políticos. A proteção é
concedida ao cargo, não ao indivíduo. Ao deixar o cargo, perde-se o foro.
Segundo o advogado Eugênio Pacelli, o foro tem como função fazer com que casos
envolvendo políticos sejam julgados por tribunais menos suscetíveis a pressões
externas. Atualmente o foro privilegiado é associado à impunidade de políticos
corruptos. Isso porque o ritmo de julgamento dos tribunais superiores é mais
lento do que o da Justiça de primeira instância. Com o passar do tempo, muitos
crimes acabam prescrevendo (caducando) e os políticos com foro privilegiado não
são presos.
Quando o
foro foi criado
O foro privilegiado existe no Brasil desde a Constituição de
1824, quando o país ainda era um império. Na época, crimes cometidos por
membros da família imperial, ministros e conselheiros de Estado e parlamentares
eram julgados exclusivamente pelo Senado. A primeira Constituição da República,
de 1891, estendeu esse direito especial para o presidente, ministros do Supremo
e juízes federais. Em 1969, durante a ditadura militar (1964-1985), o governo
adicionou uma emenda à Constituição de 1967 que aumentou o poder dos militares
– era o período de maior repressão e autoritarismo do regime e o Congresso
estava fechado. No texto havia um trecho que concedia a parlamentares foro
privilegiado perante o Supremo Tribunal Federal, o que lhes garantiu alguma
proteção contra perseguições políticas. A Constituição de 1988 ampliou ainda
mais o foro, concedendo-o a governadores, prefeitos, desembargadores, membros
do Ministério Público. A extensão atual do foro privilegiado é considerada
exagerada por parte da comunidade jurídica. A advogada Vera Chemim declarou ao
jornal Folha de S.Paulo, em 2017, que “a quantidade de foros no Brasil é uma
aberração”. Chemim comparou o caso brasileiro com o do Reino Unido, onde apenas
a rainha tem foro privilegiado.
Quem tem direito ao foro no Brasil
A definição do tribunal responsável por julgar
pessoas com foro, suspeitas de terem cometido crimes, está relacionada ao cargo
ocupado pela pessoa. Quanto mais importante o cargo, maior a instância do
Judiciário que cuida do caso.
Supremo Tribunal Federal:
julga o presidente da República,
vice-presidente, ministros do governo, deputados federais, senadores, ministros
do Supremo e comandantes militares
Superior Tribunal de Justiça:
Cuida de processos contra governadores e
desembargadores (juízes de segunda instância)
Tribunais Regionais Federais:
Responsáveis por analisar processos contra
juízes federais e prefeitos (apenas em caso de desvio de recursos federais)
Tribunais de Justiça:
Julgam deputados estaduais, membros do
Ministério Público, dos Tribunais de Contas e prefeitos
A Constituição Federal não prevê foro para
vereadores. Os estados podem, porém, conceder o direito a eles por meio das
Constituições Estaduais – municípios não têm constituições próprias. É o caso,
por exemplo, do estado do Rio de Janeiro, que garante aos vereadores de seus
municípios o direito de serem julgados pelo Tribunal de Justiça (segunda
instância). O Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado realizou um levantamento
em 2017 e descobriu que no Brasil há quase 55 mil pessoas com foro privilegiado
– 38,4 mil garantidas pela Constituição Federal, 15,5 mil por Constituições
Estaduais. Entre as autoridades que possuem foro por garantia da Constituição
de 1988, 79% estão no Judiciário e no Ministério Público.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/04/12/O-que-%C3%A9-foro-privilegiado.-E-quem-tem-direito-a-ele-no-Brasil