sábado, 20 de junho de 2015

Eu acreditava que anular o meu voto seria o ideal

“Não vou dar meu voto pra nenhum desses candidatos!"
”Eles não me representam!”
“Nenhum deles merece o meu voto!”

Essas frases foram repetidas por mim durante um bom tempo, pensando que era um ato de protesto e que o que eu estava fazendo era algo bom.

Mas eu não percebia que, na verdade, esse meu “protesto”, representado pela passividade eleitoral, acabava não contribuindo muito para o crescimento da nossa (jovem) República. Poderia até mesmo causar um efeito contrário.

Como mudar o nosso Pas O voto

Segundo estabelecido na Constituição (artigo 77) e na Lei n.º9.5044/97, será eleito o candidato que alcançar a maioria dos votos, não sendo computados (para a obtenção dessa maioria) os votos brancos e nulos.

E, se nenhum dos candidatos obtiver maioria absoluta na primeira votação, surge o 2º turno, concorrendo os dois candidatos com mais votos.

Ok. Até aqui tudo certo.

Vejamos, então, as seguintes situações:

Em uma situação hipotética, com 03 candidatos e 10 eleitores, para ser eleito no 1º turno, com 100% dos votos válidos, o candidato tem que obter 06 votos.

Desses 10 eleitores, se tivermos somente 08 votos válidos o candidato precisará de apenas 05 votos para ser eleito no primeiro turno.

Se tivermos só 04 votos válidos, o candidato com 03 votos será eleito em primeiro turno.
E com apenas 01 voto válido, quem for votado se elege com apenas esse 01 voto.

Usei esses números apenas para exemplificar como o voto inválido pode “facilitar” a eleição de um candidato.
Nesse sentido, fiz uma rápida pesquisa na internet e vi que nas últimas eleições presidenciais tivemos algo em torno de 29% (vinte e nove por cento) de votos inválidos (brancos, nulos e abstenção), representando, em números, 38.797.556 (trinta e oito milhões, setecentos e noventa e sete mil, quinhentos e cinquenta e cinco) eleitores.

Para termos ideia de como esses votos fizeram diferença no resultado das eleições, se todas essas pessoas votassem na Luciana Genro, por exemplo, que foi a 4ª mais votada, ela estaria na disputa pelo 2º turno das eleições. Ou, então, a Marina já seria eleita no 1º turno.

Aí você me fala: “Mas o artigo 224 do Código Eleitoral fala em uma nova eleição ‘Se a nulidade atingir mais da metade dos votos’. Assim, se mais de 50% dos brasileiros anular o voto, teremos uma nova eleição”.
Ocorre que a interpretação dada a esse artigo não é tão literal assim, até mesmo porque ele precisa ser analisado junto com toda a legislação que versa sobre o assunto.

Nesse ínterim,

“para fins do art. 224 do Código Eleitoral, a validade da votação ou o número de votos válidos na eleição majoritária não é aferida sobre o total de votos apurados, mas leva em consideração tão somente o percentual de votos dados aos candidatos desse pleito, excluindo-se, portanto, os votos nulos e os brancos, por expressa disposição do art. 77, § 2º, da Constituição Federal” Ademais, “não se somam aos votos nulos derivados da manifestação apolítica dos eleitores aqueles nulos em decorrência do indeferimento do registro de candidatos; afigura-se recomendável que a validade da votação seja aferida tendo em conta apenas os votos atribuídos efetivamente a candidatos e não sobre o total de votos apurados” (TSE – Agravo Regimental em Recurso em Mandado de Segurança nº 665, Acórdão de 23/06/2009, Relator (a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo -, Data 17/08/2009, Página 24 ).

Dessa forma, acabei percebendo que a invalidação dos meus votos não atingia os efeitos que eu esperava alcançar (mudança, revolta, demonstração de insatisfação...).

Como mudar o nosso Pas O voto

E que conclusão tirei disso tudo?! Vi que devemos votar em alguém, mesmo que ele não seja o “ideal” (que não existe). Dentre todos os candidatos, ao menos um deles vai ter propostas que lhe agradarão.

Demoramos muito tempo para obter o direito ao voto, de modo que não posso me dar ao luxo de optar por não gozá-lo.

Escrito por Pedro Magalhães Ganem, formado em Direito, Pós-graduado em Processo Civil e pós-graduando em Ciências Criminais.

terça-feira, 2 de junho de 2015

As lições da PEC da corrupção os nossos desafios

A questão central em torno do financiamento empresarial de campanha é a da subordinação da democracia representativa aos interesses econômicos. Isso é parte da lógica de dominação que impede que se retome um projeto de país soberano. E, consequentemente, mantenha-se subordinado à lógica de padrão do desenvolvimento capitalista atual. Isto é, do neoliberalismo.
Durante a década de 80 dois projetos disputaram como se daria o processo de transição da ditadura militar. De um lado, a ruptura com o que significou a ditadura e, a retomada do projeto em curso na década de 60 de soberania nacional e aprofundamento das reformas democráticas e populares.  Em contraposição a esse, o projeto de transição negociada. Uma transição sem romper com os marcos estabelecidos pela ditadura. Alterando-se, contudo, o sistema político de dominação. Segundo Florestan Fernandes, trocamos um autoritarismo ditatorial por um autoritarismo aparentemente civil.
O conteúdo da lei de anistia de 79, a derrota do movimento das diretas já em 83-84, a vitória de José Sarney como presidente da transição, o processo constituinte de 88 e a vitória de Collor em 89 são expressões ou marcos da vitória do projeto da transição negociada e do autoritarismo civil. A constituinte de 88 foi o marco que estabeleceu as regras de como funcionaria o autoritarismo civil no Brasil.
Nas disputas em torno da constituinte de 88 a derrota da proposta de uma constituinte exclusiva deu o tom do que seria o nosso processo constituinte. Como não foi exclusiva, a constituinte acabou sendo elaborada por parlamentares ligados à ditadura militar. Garantindo a segurança política do processo constituinte - para um dos projetos.
Por mais que as forças populares tenham conquistado avanços no texto constitucional a partir da atuação nas subcomissões e da pressão popular, esses avanços foram neutralizados pela comissão de sistematização. Florestan Fernandes, com o processo constituinte ainda em curso, anteviu o que seria a nossa constituição e o nosso sistema político.
“A predominância burguesa no Congresso Constituinte promete uma radicalização retórica, como compensação ideológica e política no retraimento diante da revolução política que poderia cimentar um forte democratismo burguês”. Resultado “uma Constituição de lantejoulas, de vitrina, formalmente ‘ousada’ mas efetivamente inerte”, tradição do “idealismo constitucional”. Para as forças burguesas, “uma constituição natimorta não é só um atrativo, é o único modelo de dar continuidade à contra-revolução preventiva”. Sintetizando o que Florestan anunciava e o que se materializou: a constituição de 88 foi (e é) uma carta de boas intenções.
Por isso a constituição de 88 possui um conjunto de princípios e direitos fundamentais importantes. O princípio da dignidade da pessoa humana, do direito à moradia, de um salário que garanta uma vida digna. Nada disso se materializa para todo o povo brasileiro. Porque há um sistema político que impede. Típica da nossa elite e da “nossa” revolução burguesa. A superexploração da força de trabalho e as suas consequências são parte constitutiva do capitalismo no Brasil. O limite possível de ampliação do estado brasileiro foi o de não ser possível questionar o projeto de desenvolvimento subordinado ao capital financeiro.
Para isso, um aparato jurídico, político e ideológico, que se sustenta em cinco pilares, foram desenvolvidos para manter a hegemonia da lógica de acumulação desde a ditadura militar. Os pilares são os de uma democracia representativa subordinada ao poder econômico, partidos fracos com identificação política em indivíduos e não em projetos (política fragmentada e individualizada), instrumentos de participação popular e democracia direta insignificantes, monopólio da informação e da comunicação e centralização insulada do aparato jurídico-militar.
Durante a década de 90, a correlação de forças ficou ainda mais desfavorável para as forças democráticas e populares em nosso país e a consequência foi o aprofundamento do projeto de subordinação ao capital financeiro a partir da implantação do modelo neoliberal. Para isso, a elite atuou no sistema político de duas maneiras: 1. Regulamentou artigos genéricos da constituição dando um caráter mais conservador à legislação; 2. Alterou a constituição a partir de emendas constitucionais.
Alguns exemplos de emendas constitucionais que aprofundaram o projeto de subordinação: a emenda nº6/95 que acaba com a diferença entre empresa brasileira e de capital nacional, permitindo que empresas com capital estrangeiro possam participar de concessões de lavra de recursos minerais; a emenda nº9/95 que permite a concessão de atividades de petróleo e gás-natural; a emenda nº20/98 que faz a primeira reforma da previdência e cria o fator previdenciário etc. As alterações na constituição foram realizadas a fim de atender os interesses das forças neoliberais sem qualquer constrangimento.
Assim como no processo constituinte (em que derrotaram a proposta da constituinte exclusiva), as forças conservadoras insistiram na tática da alteração das regras do jogo de maneira controlada e gradual. Os atores privilegiados para implementá-la - os parlamentares. O cenário - o congresso. As regras do jogo - a democracia representativa. Os legitimadores - a mídia e o aparato jurídico-militar.
Na noite de uma quarta feira (27), em maio de 2015, por 330 votos a favor e 141 contra, a história se repetiu como tragédia, farsa e farra (não para nós). O financiamento empresarial de campanha, parte importante na manutenção dos pilares de sustentação da hegemonia neoliberal, foi regulamentado através de uma emenda constitucional. Um dia depois do financiamento empresarial a candidatos ter sido derrotado no congresso, o acordo político dentro do congresso foi quebrado para ser cumprido o acordo político de classe. Resultado disso foi o financiamento empresarial aprovado para partidos.
Com isso, aproxima-se o dia em que o ministro Gilmar Mendes poderá sair de cima do processo da OAB que proibiria o financiamento empresarial de campanha. Uma vez essa questão sendo regulamentada pelo legislativo, não caberá ao judiciário se meter neste tema. Veremos como a votação da PEC se desdobrará no Senado.
A luta parlamentar nos permite identificar de maneira mais clara as verdadeiras intenções e formas de atuação dos nossos inimigos. O processo de votação da PEC da corrupção nos revela que esse congresso nunca fará uma reforma política que vá de encontro aos interesses das elites. Ou do próprio congresso - o que dá no mesmo. Reforçando a necessidade de constituinte exclusiva para que uma reforma política democrática seja realizada.
Podemos tirar 3 lições importantes desse processo: 1. A elite não precisa de uma constituinte para retirar direitos dos trabalhadores e mudar a constituição, ela tem o congresso; 2. Nas questões fundamentais para a manutenção da hegemonia burguesa, os parlamentares da elite são capazes de romper qualquer acordo político (inclusiva a ordem democrática burguesa) para garantir os interesses da sua classe; 3. Esse congresso não enfrentará nenhuma reforma que ameace - em todos os aspectos - a hegemonia do capital financeiro.
Estamos retomando a correlação de forças que tínhamos na década de 80, e com isso, recolocam-se os mesmos problemas, de maneiras diferentes. O problema de se vamos conseguir construir um projeto de nação soberana e retomar o processo em curso antes da ditadura militar com as reformas estruturais está anunciando entrar na ordem do dia. A conjuntura econômica está, cada vez mais, impondo essa questão para ser resolvida enquanto uma das saídas para a crise em curso.
O avanço em direção a esse projeto será mediado de acordo com a nossa capacidade de destruir o sistema de dominação montado pelo capital financeiro no Brasil. Jogando fora todas as heranças, os entulhos e resquícios da ditadura militar. Sem dúvidas, o financiamento empresarial na democracia representativa é uma peça fundamental dessa arquitetura.

Vitor Alcantara - comitê baiano do plebiscito constituinte
01 de junho de 2015